SEDE VACANTE 1758

May 3, 1758—July 6, 1758







Instructions of the King of Portugal
for Francisco de Almada de Mendoça
Minister at the Court of Rome
(February 10, 1758)

 

Collecção dos Negocios de Roma no Reinado de El-Rey Dom Jose I.  Ministerio do Marquez de Pombal e Pontificados de Benedicto XIV e Clemente XIII. 1755-1760  Parte I (Lisboa 1874), 44-48:

 

lnstrucção dirigida na data de 10 de fevereiro de 1758, a Francisco de Almada de Mendoça, Ministro de Sua Magestade Fidelissima no Curia de Roma, informando-o das desordens que até aquelle tempo havia accumulado os Religiosos da Companhia de Jesus aos muitos absurdos, em que se tinha precipitado nos dominios ultramarinos desta monarchia, quando Sua Magestade se vio obrigado a informar o Santissimo Padre Benedicto XIV dos insultos dos ditos Religiosos, pela outra carta instructiva de 8 de outubro de 1757.

 

1. Sendo as desordens e os insultos que os Religiosos Jesuitas teem accumulado no Maranhão, desde os principios do reinado de Sua Magestade, com o mau fim de impossibilitarem a execução do tratado de limites das conquistas, e as sublevações, que tambem fizeram e intentaram com o mesmo objecto nas aldeias de Paraguay e Uruguay, dentro deste reino, e até dentro do mesmo Paço, motivos urgentíssimos para o mesmo Senhor fazer com os ditos Religiosos as ultimas demonstrações do seu justo e real poder, de que os Soberanos se não costumam, nem devem dispensar com os Ecclesiasticos comprehendídos em sedições e rebelliões, ainda menos graves e menos perniciosas do que o são as que elles teem machinado no norte e no sul do Brazíl, e dentro no continente do reino e da Côrte; e sendo a este respeito quasi insignificantes os procedimentos, com que a moderação de El-Rey nosso Scnlior se reduzio a, despedir do serviço do Paço os Confessores da quella profissão, com o piissimo fim de ver se aquello aviso bastava para reportar e conter o pervertido governo interior dos referidos Padres, de sorte que ficasse desembaraçado da sua tenaz opposição o cumprimento do sobredito tratado de limites, e a Côrte o os vassallos de Sua Magestade em inteiro socego; produzio aquella piissima moderação effeitos tão contraries ao que della se devia esperar, como são os seguintes.

2. Desde que conheceram que era impossivel dobrarem a inflexivel constancia de El­Rey nosso senhor e do seu Ministerio, para invalidarem a execução do dito tratado, e se conservarem assim na posse do imperio, que tinham no centro dos dominios ultramarinos das duas monarchias; e desde que viram passar Gomes Freire de Andrada com hum exercito ao Rio da Prata, e Francisco Xavier de Mendonça, assistido de tres regimentos creados de novo, ao Pará; perdendo os mesmos Religiosos o juizo e a religião, entraram a machinar em ordem aquelle mau fim os execrndos meios de malquistarem e infamarem o felicissimo governo de El­Rey nosso Senhor e o fiel serviço dos Minístros do Sua Magestado, pelos modos que teem praticado em outras muitas Côrtes nos casos similliantes, obrando os excessos que nos teem cheios de horror e de espanto.

3. Por huma parte, chamando a si as pessoas que entendiam que eram descontentes do governo, ou por El­Rey nosso Senhor se não servir dellas, ou por não lhes dar os despaches, que não haviam merecido, foram espalhando (de palavra e por escripto) as mais falsas e inauditas imposturas, blasfemando contra a mesma Magestade; e foram pervertendo e desfigurando os milagres da paternal providencia de El­Rey nosso senhor, com que tanto tem beneficiado os seus reconhecidos vassallos, que de dia em dia vão cada vez mais, não só respeitando, mas adorando os acertos do seu incomparavel e faustissimo governo.

4. Por outra parte tentaram ao favor destes machiavelicos enganos alienar desta Côrte a boa íntelligencia de outras, e embaraça-las, não só com impostmas offensivas do pessoal das respectivas Magestades, mas tambem com outros fingimentos de prejuizos, na execução do dito tratado, suggeríndo em Lisboa que Portugal era o enganado, e em Madrid que este era que enganava a Hespanha.

5. Por outra parte, logo que viram fundada a Companhia do Pará, e que com ella lhes cessava o grosso commercio que faziam naquelle Estado, tomaram a desmedida ousadia de intentarem promover huma sedição contra ella dentro da mesma Cõrte de Sua Magestade, como sueccderia, se o mesmo Senhor logo in continenti não houvesse exterminado ao Padre Ballester, que prégou O primeiro sermão insolentissimo, para concitar o povo contra a dita Companhia do Pará, dizendo do pulpito abaixo, que quem entrasse nella, não entraria na companhia de Christo senhor nosso; e o Padre Bento da Fonseca, que andava pcr si, e por outros da sua profissão, introduzindo as mesmas suggestões pelas casas dos Ministros e dos particulares, onde considerava huma intenção ou ignoraneia de que podesse abusar: fazendo Sua Magestade ao mesmo tempo exterminar e prender os homens de negocio da Mesa chamada do Bem Commum, que, suggeridos dos taes Padres, foram (com mais ignorancia que malicia) apresentar ao mesmo Senhor em audiencia hum papel, ordenado ao fim da mesma sedição; extinguindo por isso tambem logo Sua Magestade a tal Mesa do Bem Commum; e desarmando por outros prudentes e adequados meios as intrigas ainda mais execrandas, que (com o mesmo intento) se tinham machínado com alguns inconsiderados estrangeiros dentro na mesma Côrte.

6. Por outra parte, offerecendo a calamidade do terremoto hum novo e tristissimo theatro aos ditos Religiosos, para representarem nelle os papeis que melhor lhes serviram para os seus maus fins; não inventou a fertilissima malicia de Nicolao Machiavelo diabrura politica, que elles não puzessem por obra; já fingindo prophecias e ameaçando subversões e diluvios de fogos subterraneos e das aguas do mar; já fazendo encher per si e pelos seus sequazes os papeis publicos da Europa de novos desastres, extremas miserias e pavorosos horrores, que nunca haviam existido; já simulando peccados publicos e escandalosos, falsamente suppostos no seculo da mais regulada e exemplar reforma da Côrte e do reino, que Portugal vio desde a primeira epocha da sua fundação até os nossos dias; passando ao incrivel e nunca esperado nem visto atrevimento de formarem papeis sediciosos, cheios das referidas falsidades, e de os fazerem pôr sacrilegamente na real presença de Sua Magestade, com o objecto de lhe consternarem aquelle grande animo, cuja serenidade Deos havia creado inflexivel e superiora todas aquellas malignas impressöes, por incomparavcel felicidade nossa; já accrcscentando a este temerario absurdo o outro, ainda mais temerario, de abusarem daquella devoção, que sempre influiram na religiosissima piedade real os habitos capuchos, para introduzirem no Paço os dous Padres Barbadinhos, que haviam nos annos antecedentes conservado conventuaes na casa professa de S. Roque; e que, para melhor os segurarem na sua sujeição, tinham introduzido no hospicio de Santa Apollonia, quando lançaram fóra delle aos Genovezes; já Servindo­se dos mesmos Barbadinhos, como de instrumentos, não só para incutirem os referidos medos, mas para introduzirem as outras perniciosissimas Suggestões, de que tão altamente triumphou o perspicacissimo e penetrantissimo discernimento de Sua Magestade; o já em fim reservando-se a si os referidos Religiosos Jesuítas (de accordo com os dons Barbadinhos), para confirmarem depois quantas imposturas estes haviam avançado, não só no interior do Paço, mas nos Santuarios mais recatados e mais sagrados delle; de sorte que, se a eomprchensão e a constancia do dito Senhor podessem ser venciveis, não só haveria padecido o reino as maiores ruinas, mas entre ellas se veria acabado o real e supremo poder, saindo daquella confusão incontestavel o premeditado imperio jesuitico.

7. Por outra parte, depois de haverem sido desconcertadas aquellas intrigas, e castigados os instrumentos dellas; publicando­se a Companhia da Agricultura das vinhas do Alto Douro, se promoveo na cidade do Porto, como a segunda do reino, a sedição que se havia desarmado na cidade de Lisboa; trabalhando naquella cidade os referidos Padres para malquistarem El­Rcy nosso senhor e o seu feliz governo e fiel Ministerio com aquelles vassallos, pela repetição de todas as imputaçöes e imposturas que espalhavam no reino e fóra delle; fazendo passar á credulidade dos pequenos e pusillanimes a insigne falsidade de que os vinhos da dita Companhia não eram capazes do sacdrificio da missa; extrahindo do seu archivo, para passar ao conhecimento dos mal intencionados e peior instruídos, a relação do motim que houvera na dita cidade no anuo de mil seiscentos sessenta e hum, com as vozes de que, tendo principiado por mulheres e rapazes, ficara, como ficou, sem castigo: animando com as referidas suggestões alguns outros Ecclesiasticos, em cuja leveza acharam capacidade para as imprimirem; vindo a conseguir que se declarasse na mesma cidade do Porto o horroroso motim de vinte atres de fevereiro do anno proximo passado, em que litteralmente se copiou o outro motim do anno de mil seiscentos sessenta e hum, sem a menor dífferença: e obrigando em fim a real clemencia do mesmo Senhor ao extremo desprazer de castigar os habitantes daquella cidade, posto que com brandura maior da que podia permittir­lhe a indispensavel necessidade de não deixar sem castigo hum tão pernicioso exemplo, e de dar ao escandalo de seus fieis vassallos a satisfação, que da sua natureza requeria um insulto tão desusado entre elles.

8. Por outra parte, não havendo cousa que bastasse para desenganar e conter o temerario orgulho dos referidos Padres; quando deviam naturalmente contristar-se e encher-se de confusão e arrependimento, ao tempo em que viram aquella desgraçada cidade opprimida de tropas, e os seus habitantes gemendo nos ferros e grilhões, que lhes havia forjado a malicia, com que elles Religíosos por tantos modos haviam concorrido para aquella necessaria calamidade, o fizeram tanto pelo contrario, como foi constante por tiictos innegaveis.

9. Nestas escabrosissimas e urgentíssimas circumstancias tomou El­Rey nosso senhor a nccessaria resolução de mandar sair do Paço os Confessores, para tambem desarmar os ditos Religiosos da força, que lhes davam os confessionarios de Suas Magestades e da real família, para atropellarem os Ministros e os cidadãos, com o medo que lhes fazia o grande poder e o apparatoso vali1nento que ostentavam aos olhos do mundo, e os perniciosos effeitos de se não executar por muitos anuos alguma ordem regia, de que aos mesmos Religiosos se podesse seguir o menor desprazer.

10. E o que deste procedimento resultou, sendo tão moderado a respeito dos motivos que o fizeram necessario, foi tornarem os mesmos Religiosos a machinar novas imposturas, e a diffundir e divulgar novas suggestões tão falsas, como o foram: «Que os seus procedimentos no Maranhão e Uruguay tinham sido justos e regulados: que elles Religiosos eram perseguidos por sustentarem neste reino a fé, querendo-se nelle abolir o Ministerio do Santo officio» (do qual todo o mundo sabe que os ditos Padres he que são os mais declarados inimigos, com o mesmo motivo de não poderem governar aquelle tribunal): «que El-Rey nosso senhor queria estabelecer em Portugal a liberdade de consciencia: que se intentava casar a Princeza nossa senhora. com hum Principe de outra profissâo: que o motim do Porto fôra justo, e fõra uma cousa insignificante, em que só entraram mulheres e rapazes: e que emfim fôra injusto o castigo que se deo aquelles sublevados, etc.»

11. Vendo pois Sua Magestade que todos estes novos motivos accresciam, para fazer indispensavel a necessidade de desabusar os seus vassallos de tão perniciosas e sacrilegas calumnias, pelo adequado meio de desmascarar os referidos Religiosos; fazendo conhecer ao publico aquella parte das justissimas causas do seu procedimento, que a decencia podia permittir que saisse a ver a luz do mundo; mandou estampar e divulgar os dous papeis, de que V. S.a receberá alguns exemplares, para a sua cabal instrucçào.

12. Hum dos ditos papeis contém hum simples extracto das cartas de Gomes Freire de Andrada, Francisco Xavier de Mendonça, e do Bispo do Pará, tirado, com grande concisão, e com igual modestia, dos originaes authenticos que se acham nesta Secretaria de Estado, que só conteem os factos publicos e notorios, que teem sido e são presentes a todos os moradores do Brazil, e a todos os deste reino que teem correspondencias naquelle Estado.

13. O outro papel contém a copia da sentença original, que se proferio na alçada do Porto, sobre hum processo de quatro mil folhas de papel; no qual faria huma grande e enorme figura o govemo dos ditos Religiosos neste reino, se a summa piedade de Sua Magestade não houvesse desde o principio mandado separar o que fosse pertencente aos Eeclesiasticos.

14. He certo que os referidos dous papeis, e os ineontestaveis factos que nelles, se referem, acabaram de fazer conhecer as cabalas e as malicias dos mesmos Religiosos a todo este reino, convencendo todas as imposturas que elles haviam publicado. He porém igualmente certo, que depois que se desenganaram de que lhes não foi possível illudirem Portugal, trabalham agora mais anciosamente fora delle nos paizes estrangeiros, não só para diffundirem a peste das mesmas calumnias por elles machinadas, mas para negarem e desñgurarem temerariamente as sedições e os insultos que concitaram no Paraguay e Maranhão; animando­se a negar o que he de notoriedade publica, e o que viram e estão vendo tres exereitos e todo o Brazil: o que hc o mesmo que negar que haja na Europa as cidades de Lisboa, de Madrid e de Londres, na presença das pessoas que nellas não estiveram até agora; e he o mesmo engano, com que negaram e conseguiram fazer incriveis na Côrte de Madrid os insultos da mesma natureza, com que opprimiram na Asia ao Arcebispo do Manilha D. Filippo Pardo, na Amcrica ao Bispo de Paraguay D. Bernardino de Cardenas, o ao do la Puebla de los Angeles D. João de Palafoz e Mendoça; e fazer tambem igualmente incriveis na Côrte de Lisboa as repetidas queixas dos povos e dos Prelados do Brazil, de sorte que humas dellas nunca poderam chegar á presença do Senhor Rei D. João V, e as outras que lhe foram presentes, tendo baixado ha vinte annos com decretos para se consultarem, se acharam por fallecimento daquelle Monarcha nos mesmos termos em que tinham baixado, Sem que ás suas reaes ordens se houvesse dado a menor execução.

15. Tanto era nesta Côrte o poder dos referidos Padres! Tanto o que a sua influencia nos negocies excedia até o respeito de hum tão grande Rey! E tanto o prejuízo, que se seguiu as duas monarchias, de se não. haverem crido as representaçöes daquelles veneravois Prelados, e as queixas daquelles opprimidos povos, em tempo opportuno, antes que os ditos Religiosos creassem na Asia e na America as forças que hoje tão temerariamente os animam!

16. Todas estas noções manda. Sua Magestade participar a V. S.a, para que, dellas faça hum conveniente uso em tempos e legares opportunos, para desabusar as pessoas, a quem procurarem illudir com os seus enganos os sobreditos Religiosos.

Deos guarde a V. S.a.

Salvaterra de Magos a dez de fevereiro de mil setecentos eincoenta e oito.

 

—D. Luíz da Cunha.

—Sr. Francisco de Almada de Mendonça.

 

 

 

 

 





July 5, 2015 9:42 PM

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